Comentário Bíblico - ATOS 1

Comentário Bíblico - ATOS 1
Por Márcia Heuko – Me. e Bel. em Teologia




A Ascensão de Jesus

1Em meu livro anterior, Teófilo, escrevi a respeito de tudo o que Jesus começou a fazer e a ensinar,

Livro anterior – Possivelmente ele se refere ao Evangelho que escreveu, e que também foi endereçado a Teófilo (Lc 1.3).

Teófilo - θεοφιλος Theophilos, “amigo de Deus”. Em seu Evangelho Lucas refere-se a ele como “excelentíssimo Teófilo”. “Excelentíssimo”, segundo o Léxico Strong, é a tradução da palavra κρατιστος (kratistos), e trata-se de um superlativo que corresponde a: o mais poderoso, o mais forte, o mais nobre, o mais ilustre, o mais excelente. Este termo é usado ao dirigir-se a homens de posto ou ofício proeminente. Mas quem foi Teófilo? Um bispo, imperador ou patriarca? Dificilmente, pois o Livro de Atos foi escrito no séc. I, e os possíveis “Teófilos” são de séculos posteriores, como: Teófilo de Antioquia, Teófilo de Cesareia, Teófilo I de Alexandria, imperador Teófilo, Teófilo I de Jerusalém, etc. Portanto, segue a opinião de alguns estudiosos:

a) Considerando que Lucas se refere a Teófilo com a mesma honra que Paulo se dirige a Félix, supõe-se que Teófilo era uma pessoa importante, possivelmente um oficial romano. [Easton's Bible Dictionary].

b) Para John Wesley Teófilo foi alguém importante de Alexandria, pois o título “excelentíssimo” era usa para os governadores romanos. [John Wesley, Explanatory Notes on the Whole Bible].

c) O Comentário Bíblico de Matthew Henry descreve Teófilo como o patrono de Lucas. [Matthew Henry, Complete Commentary on the Whole Bible].

d) Considerando a soma das duas palavra  theo (Deus) + phillus (amigo), e a tradução literal "amigo de Deus", podemos conjecturar que theophillus não se refere a um nome. Barnes rejeita esta ideia por causa do tratamento honorífico “excelentíssimo”. [Albert Barnes, Notes on the Bible, Luke 1].

2até o dia em que foi elevado aos céus, depois de ter dado instruções por meio do Espírito Santo aos apóstolos que havia escolhido.

Elevado - Em Mc 16.19 lemos: Depois de lhes ter falado, o Senhor Jesus foi elevado aos céus e assentou-se à direita de Deus.
3Depois do seu sofrimento, Jesus apresentou-se a eles e deu-lhes muitas provas indiscutíveis de que estava vivo. Apareceu-lhes por um período de 40 dias falando-lhes acerca do Reino de Deus.

O fato de Jesus ser elevado aos céus depois de 40 dias (além dos 3 dias entre a crucificação e a ressurreição) nos ajuda na reflexão sobre o texto tão debatido de Lucas 23.43, onde alguns afirmam que Jesus disse ao ladrão “em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso”: Jesus não foi elevado aos céus no dia da crucificação, como poderia o ladrão ir para lá naquele dia? Este tema será debatido futuramente no Comentário Bíblico do Evangelho de Mateus.

O destaque principal deste versículo é que Jesus disponibilizou “provas indiscutíveis” de que estava vivo. Isso desbanca a mentira imposta pelos os sacerdotes e líderes religiosos que pagaram grande soma em dinheiro aos guardas para que omitissem a ressurreição e mentissem que os discípulos roubaram o corpo de Jesus durante a noite (Mt 27.11-15).

4Certa ocasião, enquanto comia com eles, deu-lhes esta ordem: Não saiam de Jerusalém, mas esperem pela promessa de meu Pai, da qual lhes falei. Pois João batizou com água, mas dentro de poucos dias vocês serão batizados com o Espírito Santo.

Promessa de meu Pai: A promessa é cumprida no cap. 2 de Atos, quando ocorre o Pentecostes. Eles já haviam passado pelo batismo nas águas, ou seja, batismo de arrependimento (atitude pública de abandono dos pecados), mas agora precisavam da tutoria e dos dons do Espírito Santo.

Um bom exemplo da necessidade do “batismo de arrependimento” e “batismo no Espírito Santo” foi dado pelo médico grego Nicander, onde ele compara os dois batismos com a maneira de fazer picles: Primeiro o vegetal deve ser mergulhado (bapto) em água fervente para tirar as impurezas e depois ‘batizado’ (baptizo) na solução de vinagre. As palavras bapto e baptizo descrevem a imersão dos vegetais em uma solução, onde a primeira tem uma ação temporária, e a segunda produz uma mudança permanente. [Bible Study Magazine, James Montgomery Boice].

6Então os que estavam reunidos lhe perguntaram: Senhor, é neste tempo que vais restaurar o reino a Israel?

Eles ainda pensavam que a função do Messias era libertar Israel da opressão romana, e que ele seria um rei, o Rei dos Judeus. Mas Jesus veio para um ministério mais completo, veio para morrer em resgate de muitos (Mc 10.33-35), e só na segunda vinda Ele virá para reinar. Por isso a resposta de Jesus não é se Ele vai ou não restaurar o reino, porque com certeza Ele fará isso, mas não será agora, então ele responde que “não compete a eles saberem os tempos ou as datas”, conforme o próximo versículo.

7Ele lhes respondeu: Não lhes compete saber os tempos ou as datas que o Pai estabeleceu pela sua própria autoridade.

Os segredos de Deus pertencem a Deus, semelhante a Mt 24.36: Quanto ao dia e à hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão somente o Pai. Idem em Mc 13.32.

8Mas receberão poder quando o Espírito Santo descer sobre vocês, e serão minhas testemunhas[1] em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra.

Poder -  Δυναμις dunamis: Poder que reside em alguém pela virtude de sua natureza. Este poder é de Jesus, mas recebemos uma porção através do Espírito Santo com a finalidade de realizar milagres e a propagação do Evangelho.

Testemunhas – μάρτυρες (martyres, derivado de μαρτυς, martus), ou seja, mártires. Segundo o Léxico Strong, além de martyres ser traduzido por “testemunha”, também pode referir-se “aqueles que por seu exemplo provaram a força e genuidade de sua fé em Cristo por sofrer morte violenta”.

9Tendo dito isso, foi elevado às alturas enquanto eles olhavam, e uma nuvem o encobriu da vista deles. 10E eles ficaram com os olhos fixos no céu enquanto ele subia. De repente surgiram diante deles dois homens vestidos de branco11que lhes disseram: Galileus, por que vocês estão olhando para o céu? Este mesmo Jesus, que dentre vocês foi elevado aos céus, voltará da mesma forma como o viram subir.

Voltará como subiu: “Eis que ele vem com as nuvens, e todo olho o verá... (Ap 1.7)

A Escolha de Matias

12Então eles voltaram para Jerusalém, vindo do monte chamado das Oliveiras, que fica perto da cidade, cerca de 1Km (à distância da caminhada de um sábado).

No v.4, ver acima, Jesus ordenou que não saíssem de Jerusalém.

13Quando chegaram, subiram ao aposento onde estavam hospedados. Achavam-se presentes Pedro, João, Tiago e André; Filipe, Tomé, Bartolomeu e Mateus; Tiago, filho de Alfeu, Simão, o zelote, e Judas, filho de Tiago. 14Todos eles se reuniam sempre em oração, com as mulheres, inclusive Maria, a mãe de Jesus, e com os irmãos dele.

Dois fatos não devem passar despercebidos neste versículo: 1) eles sempre se reuniam para orar com as mulheres; 2) o vers. diz que Maria, a mãe biológica de Jesus estava lá junto com os “irmãos dele (Jesus)”. Maria manteve-se virgem até o nascimento de Jesus (Mt 1.18-24), mas depois teve filhos e filhas (Mt 12.46-48; 13.55,56; Mc 3.31-33; 6.3; Lc 8.19-21; Jo 2.12; 7.3,5,10; Gl 1.19). Os textos que se referem aos irmãos de Jesus não são alusão a “irmãos espirituais” ou sinônimo de companheiros de fé, pois são citados sempre junto com Maria, revelando o grau de parentesco.

15 Naqueles dias Pedro levantou-se entre os irmãos, um grupo de cerca de 120 pessoas, 16e disse: Irmãos, era necessário que se cumprisse a Escritura que o Espírito Santo predisse por boca de Davi, a respeito de Judas, que serviu de guia aos que prenderam Jesus. 17Ele foi contado como um dos nossos e teve participação neste ministério. 18(Com a recompensa que recebeu pelo seu pecado, Judas comprou um campo. Ali caiu de cabeça, seu corpo partiu-se ao meio, e as suas vísceras se derramaram. 19Todos em Jerusalém ficaram sabendo disso, de modo que, na língua deles, esse campo passou a chamar-se Aceldama, isto é, campo de Sangue). 20Porque, prosseguiu Pedro, está escrito no Livro de Salmos: Fique deserto o seu lugar, e não haja ninguém que nele habite[2]; e ainda: Que outro ocupe o seu lugar.

Pedro está falando sobre a traição e suicídio de Judas, filho de Simão Iscariotes (Jo 13.26). Judas foi um dos 12 apóstolos (Mt 10.4), mas traiu Jesus em troca de dinheiro (Mt 26.14-16; Mc 14.10,11; Lc 22.3-6; Jo 13.2), pois ele era ladrão (Jo 12.4-6). Portanto era necessário alguém que substituísse Judas.

Que outro ocupe o seu lugar: onde lemos a palavra “lugar”, no texto grego lemos πισκοπν (episkopēn), palavra que descreve entre outras coisas, a função pastoral: ministério de supervisão, ofício, cargo, ofício de um ancião, dirigente de uma igreja cristã. (Léxico Strong).

21Portanto, é necessário que escolhamos um dos homens que estiveram conosco durante todo o tempo em que o Senhor Jesus viveu entre nós, 22desde o batismo de João até o dia em que Jesus foi elevado dentre nós às alturas. É preciso que um deles seja conosco testemunha de sua ressurreição.

Era necessário que o substituto realmente tivesse testemunhado as obras, as declarações e a ressurreição de Jesus. Se é testemunha, fala do que constatou.

23Então indicaram dois nomes: José, chamado Barsabás, também conhecido como Justo, e Matias.

Matias -  Ματθιας (Matthias), ou Μαθθιας (Maththias), seu nome significa “presente de Deus”. Não se encontra maiores informações sobre ele na Bíblia.

José Barsabás - É Barnabé. Ele era um levita de Chipre, profeta e mestre. Na realidade seu nome era José, e o apelido “o justo”, por ser muito respeitado pelos membros da igreja. Os cristãos os chamavam de Barnabé (aquele que dá ânimo) e de Barsabás (estimulador). Barnabé era tio de João Marcos e amigo de Paulo (citado em At 1.23; 4.36; 9.27; 11.22,30; 12.25; 13.1,2,7,43,46,50; 14.12,14; 15.2;22,25,35-37,39; 1Co 9.6; Gl 2.1,9; Cl 4.10).

24Depois oraram: “Senhor, tu conheces o coração de todos. Mostra-nos qual destes dois tens escolhido 25 para assumir este ministério apostólico que Judas abandonou, indo para o lugar que lhe era devido”26Então tiraram sortes, e a sorte caiu sobre Matias; assim, ele foi acrescentado aos onze apóstolos.

Tiraram Sorte: Possivelmente refere-se ao urim e tumim. Lembre-se: Jesus estava ausente e o Espírito Santo ainda não havia descido, e esta era uma maneira usada para saber a vontade de Deus, mas foi a última vez que o método foi usado. Porém, note que eles oraram buscando a direção de Deus, conforme Provérbios 16.33: A sorte se lança no regaço, mas do Senhor procede toda decisão.

Urim (luzes) e tumim (perfeições) eram pedras (ou moedas, ou dados, ou amuletos, etc) que o sumo-sacerdote carregava no peitoral e que eram usadas para estabelecer a decisão de Deus em certas questões e assuntos. (Êx 28.30; Lv 8.8; Nm 27.21; Ed 2.63; Ne 7.65).


IMPORTANTE: Os leitores que acompanham habitualmente meu trabalho no facebook e no blog já perceberam que não há, e não haverá debates calorosos ou ofensivos nos comentários das postagens. Dúvidas, contribuições e críticas serão bem vindas, e devem ser encaminhadas para me-explique-a-biblia@hotmail.com. Todos os e-mails serão respondidos na medida do possível.



[1] Conforme Is 43.10
[2] Sl 69.25

Comentários

Postagens mais visitadas